quarta-feira, 20 de maio de 2009

Steiner London Parte 3 - "Sim senhor, Senhor!" - Marchando com o Exercito de Branco

Um verso da musica "Somewhere Only We Know" da banda inglesa Keane ficava ecoando em minha cabeca - "Is this the place that I've been dreaming of?" A atmosfera toda daquele lugar me incomodava. La no inicio dessa piracao, sentados na nossa entrevista de selecao em Porto Alegre em 2008, achavamos o maximo ir a Londres para um treinamento da empresa. Uhu! Viajar, ter comida e acomodacao de graca, e se aperfeicoar profissionalmente. Quem vai recusar ne?

Minha critica reside no fato de a verdadeira realidade do treinamento ter sido deixada em segundo plano aos futuros Steiners. Ninguem nunca me falou da pressao sobrehumana que aqueles instrutores depositam sobre cada um. Ninguem nunca me falou da pilha de papel a ser digerida de um dia para o outro. E ainda fosse so trabalho, isso nao me assustava.
Mas de alguma forma, a "pedagogia" da Steiner Academy conseguia desmotivar muita gente, transformando voce em um ser pequenininho que so faz o que eles mandam ou e mandad0 para casa.

Olha eu ja trabalhei sobre pressao, ja tive quantidades enormes de trabalho e jornadas de lavoro e estudo que combinadas duravam 12h, ate mais. A diferenca entre o que eu estava passando no treinamento e a minha experiencia e que, ao contrario do que me parece acontecer na Steiner, eu sempre trabalhei em equipe. Voce me ajuda, eu te ajudo, a gente faz junto, se errar tudo bem, errando e que se aprende. Ja trabalhei em escolas, restaurantes, vi coordenadores pedagogicos saindo do escritorio para ajudar os professores a pendurar baloes, vi gerentes de restaurante carregando caixas e tirando po junto com os garcons, e coisas assim. E nem por isso havia menos respeito, e nem por isso o pessoal era menos qualificado.

Na Steiner, o negocio nao me pareceu ser trabalho em equipe, mas sim no esquema "eu-mando-voces-obedecem-ou-rua". Chegar 3 minutos atrasado na sala pode significar algum tipo de reprimenda ou humiliacao na frente dos colegas. Vi isso acontecer no segundo dia com um grupo de meninas, que adentraram a sala silenciosamente durante a chamada, e levaram uma rosnada da treinadora por estarem fazendo barulho com os cadernos - "You're late and your being loud!"

Para as recepcionistas, nao tenho criticas severas a nossa treinadora. Ela foi legal com a gente em varios momentos, mas seguia a politica quase nazista da Steiner, entao o problema no meu caso nao era a treinadora, mas a empresa. Havia quase uma inspecao diaria dos nossos cabelos e maquiagem - "you have to look your best" era o refrao repetido mil vezes.
Meninas, esquecam as presilhas, tic-tacs, piranhas, redes de cabelo, pregadores e sei la mais o que. Nao pode, nao pode, nao pode. Ou voce prende em rabo de cavalo e disfarca o elastico fazendo um penteado esquisito, ou compra aqueles bagulhos com cabelo artificial, ou enche a cabeca de grampos que nem a vovo usa. Programar uma meia hora de manha so pra fazer o cabelo vai ser parte da sua rotina.
E maquiagem, quilos e quilos. Quanto mais perua-baranga melhor. Nada de tons de pele. Eles acham lindo uma sombra verde-limao com batonzao vermelho-cereja e esperam que voce esteja sempre assim.

No meu terceiro dia, eu ja era uma pessoa diferente de quando cheguei no sabado anterior. Pisava cuidadosamente para nao quebrar ovos, ou por meu pe no lugar errado. O jeito engracado e animado dos brasileiros vai sendo substituido pela rigidez e seriedade britanica. A gente ate tentava fazer uma brincadeira, muitas vezes a brincadeira parecia um deboche ou ofensa, era tomada de forma negativa, e ninguem ria.

O uniforme, a maquiagem, o cabelo, me olhava no espelho e nao via a mim, mas a um produto da Steiner, do jeito deles. Diversas vezes por dia tentava sacudir a poeira, dizer vamos nessa, mais um dia, so mais um dia. Depois a gente acostuma. E so o comeco. Depois acostuma.
Recepcionistas tem que estar sempre sorridentes, mas eu nao conseguia muito alem de um sorriso falso. Nao tinha vontade de sorrir, tudo parecia tao opressivo e sufocante. Tentava ser positiva, achar forcas, mas estranhamente, retornar para a aula apos nossos intervalinhos de 15 min para o cafe tornava-se mais e mais dificil.

Aos poucos, a unica coisa boa na Steiner eram os amigos que fiz. De todos os cantos do mundo, vinham e perguntavam como voce esta. Alguem se importa, alguem quer que voce aguente firme, e continue. Essa era minha forca. (com cedilha, esse computador nao tem cedilha nem acentos, ta!)

E o meu Red Bull diario era reencontrar o pessoal no cafe da manha e na janta, a bagunca da galera brasileira (embora um tanto mais contida agora), foi isso que me manteve la durante aqueles dias.

Porque a rotina era dura. Acordar as 6h da manha, passar uma meia hora fazendo cabelo e maquiagem, passar o uniforme, pegar as coisas e descer para o cafe, encontrar o pessoal mas pouca conversa, o cafe da manha tinha de ser aspirado rapidinho pois o onibus iria passar, e se perdessemos o dito cujo, estavamos fritos. Sair correndo, la fora um frio do caramba, as vezes com vento e chuva, e a gente de uniforme de manga curta e tornozelos de fora, embrulhadas apenas num casacao que depois teriamos que tirar para entrar na sala de aula.

No onibus, todo mundo estudando, tentando digerir aquelas quantidades enormes de informacao. Rapidinho chegavamos, comecei a pegar aversao pela tal de Uxbridge Road.
Uma corrida ate a frente da Steiner, mais frio e vento. Varias vezes tivemos que ficar esperando la fora ate que alguem abrisse a porta. E a porta, uma vez aberta, abria espaco para mais preocupacoes, ansiedade, e para mim, significava tambem entrar mais uma vez naquela atmosfera escura e pesada que pairava por aquele labirinto de paredes brancas e limpeza impecavel.

Um intervalinho pela manha para um lanche rapido, mais tarde, uma hora de almoco, e mais tarde, outro intervalinho. Leve seu lanche, ou compre da cafeteria deles. Eu ate gostava da cafeteria, a menina que atende e simpatica e as coisas ate que sao baratas, mas nao enchem barriga. E se voce nao tem seu proprio lanche, nao tem outra escolha. Em volta da Steiner, so tem mato e estradinhas que voce nao sabe onde vao dar. Em algum lugar a uns 10 min de caminhada tem uma lojinha, um posto de gasolina, sei la, voce nao vai ter tempo de ver, mesmo.

E se voce sobreviveu ao dia, ainda tem mais. Terminadas as aulas, eh hora da limpeza. Sim, senhor. Limpeza. Cada um dos alunos e obrigado a limpar ao menos sua sala. A galera da recepcao limpava a sala onde ficavamos, do chao as janelas. Tirar lixo, fazer lavanderia, varrer, o pacote todo. Sei que outros alunos eram escalados para limpar o resto do predio, ate os chuveiros, e nao tenho certeza mas acho que ate os banheiros. (Isso os recrutadores nao contam na entrevista ne!? E voce ja assinou um papel dizendo que concorda com limpar as instalacoes do SPA...)

Terminada a limpeza, ainda nao pode ir embora. Todos descem para a cafeteria e aguardam que um treinador venha e libere todo mundo. Que nem no colegio, la no ensino medio. Para mim, a cereja no doce. O fim da picada. O cumulo dos cumulos. Uma clara demonstracao de poder e manipulacao sobre cada um de nos. Voce faz o que eu mando, e apenas o que eu mando. Voces vao embora quando eu achar que podem. E se nao for assim, a porta da rua e serventia da casa.

Uma vez autorizada nossa saida, uma imagem um tanto surreal e por vezes, divertida. Os jardins da Steiner eram tomados por um exercito de branco que marchava junto ate a parada de onibus, tomando as estreitas calcadas de Harrow Weald e lotando os onibus vermelhos double-decker.
Na multidao, identificava rostos conhecidos, havia um certo alivio em muitas daquelas faces, mas nunca por completo. Na volta, alguns conversavam, outros estudavam, outros como eu apenas olhavam longe pela janela desejando estar em outro lugar. Perguntando-se se era melhor desisitr, tentando achar forcas para continuar.

E eu nao me acostumava com nada daquilo, na viagem de volta, eu sempre tinha vontade de chorar, de desistir, pegar um aviao e sair daquele lugar. Mas continuava caminhando.
O onibus anuncia Watford High Street, hora de descer. Agora o exercito de branco se espalhava pelas ruas. Nao era nem 18h, todas as lojas estavam fechadas. Ate o Burguer King. Na YMCA, a janta terminava as 19h. Entao o negocio era correr.

Deixava meus colegas para tras e apertava o passo, largava minhas coisas no quarto, trocava de roupa e ia jantar. As vezes eu chegava e ia direto jantar. Um alivio rever o pessoal, conversar sobre o dia, mandar a mer** as regras e ate falar em portugues. Comida ruim. Ou tinha pimenta de derreter o prato, ou nao tinha gosto. Oferecem quatro pratos quentes, voce so pode comer dois. Que nem crianca - ou bala ou pirulito. Mas quando a fome bate, voce come, nao interessa. A sopa ate que era bem boa. A janta e mais tranquila, da tempo de uma conversa com a galera.
Depois eu subia para meu cubiculo, rapidinho, e pegava o laptop. Todos faziam isso.
Na sala perto do restaurante tem internet wireless de graca, e so conectar. Se voce nao tem computador, eles tem umas carrocas velhas la que da pra usar por 20 min por vez. Entao depois da janta era sempre hora de falar com a familia, amigos, colocar fotos no orkut. Todo mundo querendo saber como estava o treinamento, eu nunca tinha muita coisa pra dizer.

E com o passar dos dias, a "hora-internet" era cada vez mais curta. Era preciso fazer "o tema de casa", que nao era pouco. Eu me confinava no meu quartinho com minhas colegas de quarto, todas estudando. Ignorar o cansaco, fazer render as poucas horas livres que voce tem. Tomar banho era um desafio, o chuveiro em condicoes suspeitas era do tamanho de uma caixa de sapato e nao tinha agua quente depois de uma certa hora da noite, nem de manha cedo. Cerca de 23h, iamos dormir, para acordar as 6h da manha no outro dia e fazer tudo de novo.

Havia horas em que aquilo tudo me sufocava, e meu unico alivio era dormir e sonhar que estava em outro lugar.

Um comentário:

  1. Bah guria, que horrível!! E quantos dias tu conseguiu suportar isso? Acho que uma semana eu aguentava, não mais do que isso. Bjsss Clarissa

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